quarta-feira, 23 de julho de 2008

O BURRO E O CACHORRO


Mais uma vez recorro à sabedoria dos antigos.
Uma fábula de Esopo conta que um homem tinha um cachorrinho e um burro. Ele costumava brincar com o cachorro. Dava-lhe comida na boca, deixava-se lamber, tomava-o no colo. O burro, que espiava tudo, viu que o homem era feliz quando brincava com o cachorrinho. Ficou com ciúme e achou que também devia agradar o patrão. Dito e feito. Começou a lamber o rosto do homem e queria sentar-se no colo dele. Só deu para o burro. O homem ficou zangado, bateu nele e o amarrou em uma árvore para que nunca mais se atrevesse a tanta familiaridade.
A moral da história é simples. Cada um de nós só pode ser ele mesmo, querer ser o “outro” não vai dar certo. Lembrei-me dessa fábula refletindo sobre as palavras de Jesus. O Senhor nos alerta a não ter medo dos que podem matar o nosso corpo e tirar assim a nossa vida. Ao contrário, Ele nos ensina a ter medo dos que querem e podem matar a nossa alma. Esta, enfim, é a nossa própria identidade, tão original como cada um de nós o é.
Infelizmente a sociedade nos leva a ser imitadores, mas nem sempre no sentido bom da palavra. Jesus também nos pede de segui-lo, e São Paulo fala mesmo de ser imitadores de Jesus, explicando que devemos ter os mesmos sentimentos dele. O resto é macaquice.
Todas as vezes que deixamos de escolher com a nossa cabeça, de agir conforme a nossa consciência, de assumir as responsabilidades das nossas escolhas, simplesmente por querer ser como os outros, pensar como os outros, ser até confundidos com os outros, acabamos deixando roubarem, ou matarem, a nossa alma. Pior é que tudo isso está acontecendo de forma tão sutil, que nem percebemos.
Quando vejo crianças caprichando na imitação de cantores, dançarinas, atores e atrizes famosas, pergunto-me: o que será delas quando crescerem? Quando vejo que certas modas acabam desnorteando a personalidade dos nossos jovens, trocando a sua cultura e a sua história para acompanhar o consumo de roupa, músicas e palavras de outros, questiono-me sobre a globalização. Será ela o achatamento das pessoas, ou a oportunidade para uma comparação sadia, que ajude a crescer e a amadurecer?
Existe também o perigo contrário, de querer ser diferentes de todo e qualquer jeito. É o caso dos que não aceitam mais nenhum conselho, acham-se os donos da verdade, ou estão convencidos de que o mundo esteja começando com eles. Assim, sem perceber, passam da originalidade e da criatividade, das coisas boas e positivas, para a esquisitice que leva ao isolamento.
Também na religião assistimos à tentação do individualismo. Cada um faz a sua própria “fé” conforme os seus gostos. Mistura tudo e no final não sabe mais em quem acreditar.
Nem macaquice, nem esquisitice. Precisamos de uma honesta e sincera busca do sentido da vida, de lançar mão da farta experiência humana, do caminho traçado por outros, do exemplo de quem nos precedeu. Nas coisas boas e nos erros também. A história é mestra de vida, sempre nos ensinaram. Entretanto parece que hoje pouco vale a reflexão dos antigos. Gritam mais alto a propaganda e as promoções de todo e qualquer produto e de todo e qualquer pensamento. Não podemos esquecer o passado, mas nem por isso devemos repeti-lo sem crítica e sem critérios. A cada geração cabe o desafio de experimentar algo novo, na esperança de que seja melhor. Não deixemos que matem a nossa originalidade.
Basta um burro que perdeu a cabeça e quis ser cachorrinho. Não deu certo.Fonte: CNBB - por Dom Pedro Conti - bispo de Macapá

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